Cientistas cearenses preparam clones de veado para evitar desaparecimento da espécie
A ideia é manter um número estável de veados-catingueiros que permitam que a espécie se reproduza e não desapareça do território cearense.
Um projeto da Universidade Estadual do Ceará (Uece) pretende clonar espécimes do veado-catingueiro (Mazama gouazoubira) até o segundo semestre de 2024. O animal é encontrado em todo o Brasil, mas no Nordeste, conforme os pesquisadores que conduzem o projeto, a população do bicho tem diminuído, o que despertou temores de que ele possa desaparecer na região.
A pesquisa é conduzida dentro do projeto Inovafauna, que gira em torno de três eixos: criar planos de ação para preservação de espécies em risco no Ceará; desenvolver estratégias e treinamentos para a prática de observação de pássaros, conhecida como birdwatching; e usar a técnica de clonagem para auxiliar na preservação de espécies ameaçadas.
Atualmente, os pesquisadores, vinculados à Faculdade de Veterinária da Uece em Fortaleza, estão na fase de produção de embriões clones. Após a produção dos embriões, vem a fecundação, em que as fêmeas que vão servir de barriga de aluguel recebem os embriões e dão início à gestação.
O professor Vicente Freitas, um dos participantes do Inovafauna, indica que a técnica de clonagem para preservação de espécies já foi utilizada em outras partes do mundo.
“Essa biotécnica da reprodução, no caso a clonagem, ajuda essas espécies que a gente já sabe que tem um número pequeno de indivíduos, e então os métodos tradicionais de reprodução não fariam um efeito imediato necessário”, explica.
No Ceará, o veado-catingueiro entrou na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da Fauna, um guia compilado pelo governo estadual. O animal vive em média doze ou treze anos e, ao longo da vida, pode gerar de seis a oito filhotes.
No entanto, conforme Vicente, com a diminuição do habitat desses animais, o aumento da ocupação de seus territórios pelo homem, o tráfico de animais e os acidentes de trânsito, a espécie começa a correr riscos.
Se o número de indivíduos na região ficar muito reduzido, a reprodução e a continuidade da espécie na natureza podem ficar inviáveis. A professora Luciana Melo, que integra o projeto, aponta que a clonagem dos espécimes de veado-catingueiro vai servir para evitar este cenário de redução irreversível da população.
“Esses indivíduos precisam ser conservados, a genética deles precisa ser conservada. A longo prazo, ter uma ideia dessa dinâmica populacional e ter um espaço que esses animais tenham seu habitat preservado. Se a gente conservar o mínimo da genética deles, até a gente chegar nesse ponto [de preservação], eu acredito que a gente perdeu menos”, afirma a professora.
O Inovafauna recebeu o aval e o apoio financeiro da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) em janeiro de 2023, mas a pesquisa vem de antes. Em 2020, os pesquisadores já haviam produzido os primeiros embriões clones, que foram utilizados para testes genéticos.
Neste momento, o grupo se prepara para reiniciar a reprodução de embriões clones. Para isso, os pesquisadores vão usar um procedimento chamado clonagem interespécie. Isso porque o material genético do veado-catingueiro que vai ser clonado será inserido no óvulo de outra espécie, provavelmente, em óvulos de vacas e ovelhas.
A ideia é justamente facilitar o processo de obtenção de embriões: como o projeto tem acesso a um número limitado de fêmeas do veado-catingueiro, se torna mais difícil contar com os óvulos delas. Por outro lado, os óvulos de vacas e ovelhas são facilmente encontrados.
Além disso, os cervídeos – família de animais à qual os veados pertencem – são considerados animais de difícil manuseio na criação por humanos.
“Para quem já teve algum tipo de contato com cervídeos de uma forma geral, você percebe quanto o manuseio desses animais é complexo. Eles são animais altamente estressados. O animal simplesmente pode morrer de estresse. Então utilizar óvulos desses animais seria algo bem mais complicado. Enquanto que, para clonar, a gente pode ter uma amostra de pele e daí já dá cultivar por tempo indefinido”, explica Luciana Melo.