Sete partidos no CE descumpriram regra de destinar 5% de verba para promoção de mulheres na política
Mais de 253 mil mulheres estão filiadas em partidos políticos no Ceará. O número é apenas um pouco menor ao de homens filiados no estado — são 264 mil do gênero masculino. Apesar disso, nas eleições, impõe-se um abismo entre os homens e as mulheres eleitos.
“Nós temos uma dificuldade institucional que é a questão do investimento dos partidos — não só financeiro, mas de capital político — nas mulheres. De abrir espaço para que essas mulheres tenham lugar, tenham falas, tenham lugar discursivos, para que elas sejam, de fato, tratadas como lideranças dentro dos partidos”, pontua a socióloga e integrante do Laboratório de Estudos em Política, Eleições e Mídia (Lepem/UFC), Paula Vieira.
E um dos investimentos que tem sido frequentemente ignorado — ou, pelo menos, diminuído — pelos partidos políticos é a exigência constitucional de aplicar 5% dos recursos recebidos anualmente do Fundo Partidário em programas de promoção e difusão da participação das mulheres na política. No Ceará, dos 15 maiores partidos, sete não cumpriram a regra constitucional.
As informações fazem referência a prestação de contas das siglas em 2022 — julgadas ou prontas para julgamento no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE).
O descumprimento, no entanto, não ocasiona nenhuma sanção aos partidos. No Ceará, o MDB, o PCdoB, o PDT, o Podemos, o PSB, o PSD e o União Brasil não investiram o percentual mínimo em programas para incentivo à participação feminina na política em 2022. Apesar disso, todos tiveram a prestação de contas aprovadas, apenas com ressalva destacando o não cumprimento e solicitando que a diferença seja aplicada no ano seguinte.
Mas essa solicitação da Justiça Eleitoral nem sempre é efetiva. O MDB, por exemplo, também não cumpriu o percentual em 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 — destaque feito em parecer apresentado pela Secretaria Judiciária do TRE-CE. “Eles não fazem e não vão fazer. Só vão fazer mesmo se realmente tiver uma cobrança da opinião pública e também da Justiça Eleitoral”, reforça a doutora em Ciência Política, professora de Ciência Política e de Gestão de Partidos Políticos na Uninter, Karolina Roeder.
Ela cita como exemplo a cota de gênero nas eleições proporcionais. Apesar da Justiça Eleitoral ter aumentado o rigor nas punições a partidos que não cumpram a regra eleitoral, as siglas continuam a tentar “subverter” as normas, “colocando candidatura fictícia e utilizando de outros subterfúgios para não cumprir a lei”. “Nesse caso em que a lei existe, mas ela não tem nenhuma implicação, nenhuma punição e nenhuma cobrança, aí mesmo que os partidos não vão fazer”, diz em referência ao percentual exigido para incentivo a participação de mulheres na política.
MAS O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO?
Ainda em 2009, foi incluído na Lei de Partidos a previsão de “criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres”. Já nesta primeira versão estava estabelecido o mínimo de 5% para esse investimento. O texto passou por outras duas mudanças. A última, de 2019, estabelece que, além do percentual mínimo, devem ser “criados e executados pela Secretaria da Mulher”, sendo aplicados por meio de “instituto com personalidade jurídica própria presidido pela Secretária da Mulher”.
Após consulta do PDT, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou ainda que, além dos órgãos partidários nacionais, diretórios estaduais e municipais também estavam obrigados a cumprir a destinação mínima para criação e manutenção de programas de incentivo à participação feminina na política.
Em 2022, a regra foi incluída na Constituição Federal. “Os partidos políticos devem aplicar no mínimo 5% dos recursos do fundo partidário na criação e na manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, de acordo com os interesses intrapartidários”, descreve o texto constitucional.
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“Os partidos poderiam utilizar esses recursos para formação mais específica para o momento da eleição mesmo, para a campanha eleitoral. Tem várias formas que o partido poderia dar formação, como marketing político, direito eleitoral”, elenca Karolina Roeder. Outras possibilidades são a realização de eventos e de cursos com foco no incentivo à participação feminina.
Coordenadora do Lepem/UFC e professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC), Monalisa Soares lembra ainda o uso destes recursos nas propagandas partidárias, com a “produção de programas que falam sobre as mulheres”.
“Mas na vida cotidiana e na organização partidária, os (usos dos) recursos não ficam tão evidenciados com uma plataforma de ação para a promoção do pleito das mulheres, que poderia envolver formações, organizações, encontros desse grupo, formas de recrutar outras mulheres”, critica.
Soares reforça que, apesar dos problemas no uso feito pelos partidos, os recursos são importantes “na disputa interna que as mulheres fazem” dentro das siglas. “Os partidos não se movem só pelo bel prazer. Eles se movem porque há a pressão interna das mulheres que compõem os partidos. Nesse caso especialmente ao fiscalizar e tensionar por esses recursos”, pontua.
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O QUE DIZEM OS PARTIDOS?
Presidente estadual do União Brasil, Capitão Wagner informou que houve um erro no cálculo do setor financeiro do partido ao realizar os repasses. Com a decisão da Justiça Eleitoral, estabelecendo que não houve o cumprimento do percentual, o União Brasil “vai fazer a reposição em 2024” — um montante de pouco mais de R$ 8,4 mil.
O PDT Ceará informou, por meio da assessoria de imprensa, que o partido “cumpre rigorosamente, todos os critérios de destinação de fundo partidário exigidos por lei, estando atualmente regular com todas as suas obrigações”. Segundo a nota, “todos os repasses foram sanados”, aplicando a diferença deixada em 2022 — de cerca de R$ 27,6 mil — no exercício financeiro de 2023.
MDB, PCdoB, Podemos, PSD e PSB não responderam até a publicação desta reportagem. O espaço continua aberto para devolutivas.
Fonte- Diário do Nordeste