Cobra ‘dormideira’: espécie é encontrada pela primeira vez no Ceará durante trabalho em roçado
Achado alerta para conservação de brejos de altitude e o cuidado com a biodiversidade desses espaços
As matas cearenses ainda guardam uma biodiversidade desconhecida. Moradores de Guaramiranga, no Maciço de Baturité, encontraram uma espécie conhecida como cobra dormideira (Dipsas indica) analisada por profissionais do Museu de História Natural do Ceará. Essa é a primeira vez que o animal foi registrado no Ceará.
O achado aconteceu durante o trabalho no roçado – como são chamados os terrenos onde há cultivo – e analisados por cientistas do Museu ligado à Universidade Estadual do Ceará (Uece), em 2022. Mas só no último mês o registro foi publicado em artigo científico.
O “Novo registro e distribuição geográfica de Dipsas indica Laurenti, 1768 no estado do Ceará, Nordeste do Brasil” foi divulgado na edição de setembro das Notas de História Natural & Distribuição Geográfica da Sociedade Brasileira de Herpetologia.
Existem 71 espécies de serpentes catalogadas pela Secretaria do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Ceará (Sema). A Dipsas indica não faz parte da lista, apesar de já ser conhecida pela Ciência em outros lugares.
“A dormideira é uma espécie típica de florestas e ocorre naturalmente no Brasil de forma disjunta: com populações na Amazônia, na Mata Atlântica e agora na Serra de Baturité”, descreve Rodrigo Gonzalez, um dos autores do artigo e curador das Coleções de Herpetologia (estudo de anfíbios e répteis) do Museu de História Natural do Ceará.
É possível que essa espécie esteja presente em outros brejos de altitude. Esse termo é dado para áreas situadas no perímetro das secas, no interior do Nordeste, com clima tropical úmido ou subúmido. Por causa da altitude, esses lugares têm características da Mata Atlântica.
O animal passa por uma análise científica para comparação com outras espécies em um trabalho maior. A orientação dos especialistas é que a população, ao encontrar um animal silvestre, acione o Batalhão de Polícia de Meio Ambiente ou outros órgãos ambientais.
Como identificar a dormideira?
A cobra dormideira é de pequeno porte, alcançando menos do que 1 metro de extensão, sendo considerada inofensiva. A espécie vive em árvores e tem hábitos noturnos. Uma característica marcante são os olhos bem grandes e a pupila elíptica.
Mas, o que a cobra dormideira come? Em geral, caracois e lesmas “pois possui adaptações na mandíbula que a permitem arrancar os animais das conchas antes de se alimentar”, detalha Rodrigo Gonzalez.
É comum que algumas pessoas possam confundir a cobra dormideira com a jararaca (Bothrops jararaca), mas as duas têm mais diferenças do que similaridades.
“A principal semelhança entre esses dois bichos está no padrão de coloração. As pessoas confundem muito com a jararaca comum, mas as semelhanças ficam por aí – elas são de famílias diferentes e a jararaca é um bicho mais terrestre, se alimenta de roedores e tem veneno”, diferencia Rodrigo.
Preservação dos brejos
O achado da espécie que não havia sido registrada até então tem vários desdobramentos, como avalia o pesquisador. “Em primeiro lugar, esse registro expande a distribuição da espécie significativamente, pois ela representa um ponto isolado em uma área florestada no meio da caatinga e separado das demais populações por centenas de quilômetros”, completa.
O pesquisador lembra que a teoria dos refúgios sugere que a Amazônia e a Mata Atlântica foram unidas no passado e que essa conexão se extinguiu ao longo do tempo por causa das mudanças do relevo e clima da América do Sul.
“No entanto, algumas áreas teriam sobrevivido a essas mudanças, conservando elementos da flora e da fauna tanto da Amazônia, quanto da Mata Atlântica até os dias de hoje”, detalha. Já pensou?
“A descoberta da Dipsas indica na Serra de Baturité é mais um caso que ilustra esse fato, assim como outras espécies como a Cobra-Cipó (Chironius dracomaris), a Malha-de-Fogo (Lachesis rhombeata) e a Jararaca-Verde (Bothrops bilineatus)”, lista.
Em resumo, o achado ressalta a importância de conservar os brejos de altitude, “que funcionam como um oásis e o único refúgio para diversas espécies que não sobreviveriam na caatinga ao redor”, como avalia.
“Proteger essas florestas é essencial para cuidar da rica e complexa biodiversidade do Ceará”, conclui.
Fonte- Diário do Nordeste