Microplásticos e Desinformação: A Degeneração Metropolitana

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
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Hoje, a onipresença dos plásticos e a degradação de grandes peças em microplásticos representam uma das maiores ameaças ambientais e de saúde pública

A invenção do plástico é, sem dúvida, uma das grandes contradições da modernidade. Criado no final do século XIX, inicialmente por Alexander Parkes em 1862, o material foi desenvolvido com a promessa de revolucionar o mercado global, trazendo uma alternativa barata, leve e moldável para diversos usos. No entanto, à medida que a produção industrial do plástico avançou no século XX, e principalmente após a Segunda Guerra Mundial, o que antes parecia um milagre tecnológico logo se revelou uma catástrofe ambiental em expansão contínua. E, entre os subprodutos mais insidiosos dessa crise, estão os microplásticos, partículas invisíveis que têm se infiltrado em nossas águas, alimentos e, agora, em nossos corpos.

•A Crise dos Microplásticos e a Neurotoxicidade Emergente

Hoje, a onipresença dos plásticos e a degradação de grandes peças em microplásticos representam uma das maiores ameaças ambientais e de saúde pública. Esses pequenos fragmentos, com menos de 5 mm de diâmetro, são consumidos inadvertidamente por seres humanos e animais, poluindo corpos d’água e o solo. Estudos recentes demonstram que partículas de microplástico são encontradas não apenas nos oceanos, mas também em ambientes urbanos, no ar que respiramos e, alarmantemente, na corrente sanguínea de humanos. Segundo uma pesquisa conduzida por cientistas da Universidade de Amsterdã, em parceria com a ONG Common Seas, publicada em 2022, mais de 77% dos indivíduos testados apresentavam traços de microplásticos em suas amostras de sangue. Essa investigação foi uma das primeiras a demonstrar a contaminação humana em nível sanguíneo, sublinhando a gravidade da crise dos microplásticos e seus potenciais impactos à saúde. Esses resultados são assustadores, considerando a associação emergente entre a exposição prolongada a microplásticos e transtornos do neurodesenvolvimento, como o aumento de casos de autismo e distúrbios cognitivos. Esse dado alarmante foi um marco importante, demonstrando que a contaminação por microplásticos está tão difundida que eles já estão presentes até em nossos sistemas biológicos. O estudo destacou a impossibilidade de eliminar essas partículas do meio ambiente, uma vez que todos os seres vivos estão contaminados, tornando inviável a criação de grupos de controle para qualquer pesquisa que tente avaliar um cenário livre de microplásticos.

Essa constatação nos coloca diante de uma realidade dura: não há como reverter totalmente a presença dos microplásticos no mundo. O que podemos fazer, então, é concentrar nossos esforços em parar sua produção. O combate à proliferação desses poluentes não está em encontrar formas milagrosas de limpeza, mas em reduzir drasticamente a fabricação de plásticos, adotando alternativas sustentáveis e cessando o ciclo de produção e descarte irresponsável que perpetua essa crise.

O aumento dessas condições em áreas metropolitanas é particularmente alarmante. Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, com suas vastas populações e infraestrutura deficiente, estão entre as mais afetadas. O trânsito caótico, a ausência de políticas eficazes de gestão de resíduos e a explosão demográfica contribuem para uma proliferação ainda maior de microplásticos no ambiente urbano, agravando a crise.

•O papel dos microplásticos no aumento do câncer e a inoperância das autoridades responsáveis

A relação direta entre os microplásticos e o desenvolvimento de doenças graves, como o câncer e a leucemia, tem sido um tema de crescente preocupação na comunidade científica. Estudos recentes apontam que essas partículas não só se infiltram no corpo humano, como também podem promover danos celulares e alterações no DNA, aumentando o risco de mutações malignas. Um estudo publicado em 2023 na revista Nature Communications revelou que a exposição a microplásticos em longo prazo pode desencadear inflamações crônicas, um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de câncer. Além disso, pesquisas da Universidade de Hull, no Reino Unido, destacaram que os microplásticos podem agir como veículos para substâncias químicas tóxicas, como o bisfenol A (BPA) e ftalatos, conhecidos por sua capacidade de induzir tumores e interferir no sistema endócrino.

A situação é particularmente alarmante quando analisamos o aumento da incidência de câncer. Dados da International Agency for Research on Cancer (IARC), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS), mostram um aumento de 47% nos casos de câncer globalmente entre 2000 e 2020, uma estatística que não pode ser ignorada. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) projeta mais de 704 mil novos casos para 2024, um número que reflete o agravamento da crise sanitária, em parte impulsionada pela exposição constante a poluentes ambientais como os microplásticos.

Esse cenário expõe também a complacência de muitos oncologistas, que, alienados pelo modelo de mercado que transforma a medicina em um negócio, priorizam a prescrição de tratamentos lucrativos em vez de se concentrar na prevenção efetiva e na pesquisa científica do caso. A busca por lucros em detrimento da saúde coletiva cria uma situação de negligência deliberada, onde os riscos ambientais, como a exposição a microplásticos, são minimizados. A medicina preventiva, que deveria ser o foco, é sufocada pela indústria farmacêutica e pela lógica do lucro imediato, reforçando um sistema onde os pacientes são vistos como consumidores, e não como indivíduos que poderiam ser poupados de um destino trágico com ações preventivas eficazes.

Essa alienação dos profissionais de saúde diante das causas ambientais do câncer não é apenas um reflexo de uma falha sistêmica na medicina, mas também da influência massiva de corporações e seus interesses. O tratamento da doença se torna mais importante do que sua prevenção, perpetuando um ciclo onde se lucra com a dor e o sofrimento, enquanto as raízes do problema continuam intocadas. O comodismo daqueles que deveriam ser os maiores aliados na luta contra o câncer e contra a produção do plástico químico é uma traição à própria essência da medicina em preservar e salvar vidas e do dever das autoridades políticas em promover qualidade de vida e acessos às populações.

A urbanização desenfreada e a falta de regulação na produção de plásticos são fatores fundamentais para a expansão desse problema. No Brasil, apesar de a legislação ambiental prever restrições ao uso de plásticos e estabelecer diretrizes para o descarte e a reciclagem, a fiscalização é fraca e o cumprimento das normas é esporádico. Grandes corporações continuam a produzir e consumir plásticos descartáveis em massa, desconsiderando os alertas científicos sobre os efeitos prejudiciais de sua proliferação.

•A Desinformação e a Negligência Corporativa

Um dos fatores mais perturbadores no debate sobre os microplásticos é o papel da desinformação. Empresas do setor plástico frequentemente propagam a narrativa de que o problema dos resíduos pode ser resolvido por meio da reciclagem, quando, na verdade, apenas uma fração minúscula do plástico produzido globalmente é efetivamente reciclada. Estima-se que, dos mais de 8,3 bilhões de toneladas de plástico produzidos desde os anos 1950, cerca de 60% ainda estão poluindo o meio ambiente. Essa abordagem ignora a urgência da redução da produção e do consumo de plásticos, preferindo transferir a responsabilidade para o consumidor.

A falta de ação governamental amplifica esse problema. Governos locais e nacionais falham em implementar medidas rígidas contra as empresas poluidoras e, mais alarmante, negligenciam o controle sobre os próprios sistemas de reciclagem e descarte. No Brasil, a fiscalização ambiental é frequentemente comprometida por falta de recursos e pela influência de grupos econômicos que pressionam pela flexibilização de normas ambientais, agravando ainda mais a crise. A ausência de sanções efetivas para as corporações que violam as leis ambientais perpetua o ciclo de contaminação, com consequências devastadoras para a saúde pública e o meio ambiente.

O físico brasileiro Marcelo Gleiser, em suas obras, aborda questões relacionadas à interconexão do homem com o meio ambiente, alertando para o fato de que a exploração descontrolada dos recursos naturais levará inevitavelmente a crises profundas e sistêmicas. Em A Ilha do Conhecimento, Gleiser discute os limites do saber humano e como a arrogância tecnológica pode cegar as sociedades para as consequências de suas ações. A disseminação da desinformação sobre os microplásticos é um exemplo claro dessa arrogância. Ao minimizar ou distorcer os riscos, as corporações e governos prolongam o ciclo de destruição ambiental.

•A Necessidade de Ações Imediatas e Alternativas Sustentáveis

É inegável que estamos no meio de uma crise climática e sanitária global, em parte intensificada pela disseminação descontrolada de microplásticos. No entanto, alternativas sustentáveis já estão disponíveis. Empresas inovadoras em todo o mundo têm desenvolvido materiais biodegradáveis e compostáveis, que poderiam, se adotados em escala, reduzir drasticamente a produção de plástico convencional. Alternativas à base de plantas, como bioplásticos feitos de amido de milho, cana-de-açúcar ou algas, já estão no mercado e demonstram ser eficazes para substituir o plástico em várias aplicações. Além disso, a ampliação de programas de economia circular, que promovem o reaproveitamento de materiais e a redução do desperdício, poderia transformar a maneira como lidamos com resíduos plásticos.

Entretanto, para que essas alternativas tenham um impacto real, é necessária uma mudança radical nos comportamentos empresariais e nas políticas públicas. Não basta apenas promover soluções sustentáveis sem reduzir o uso de plásticos convencionais. Deve haver um esforço coordenado para limitar a produção de plásticos não recicláveis e para responsabilizar empresas que poluem o meio ambiente. Como bem aponta o ambientalista Bill McKibben, “o verdadeiro custo do plástico é pago pelo meio ambiente e pela saúde humana, e é um preço que a humanidade não pode mais se dar ao luxo de ignorar.”

•Conclusão

A proliferação de microplásticos nas metrópoles brasileiras e no mundo é uma catástrofe em curso, que reflete tanto a negligência institucional quanto a ganância corporativa. A desinformação disseminada sobre os riscos dessa contaminação é parte integrante da perpetuação dessa crise, e as consequências para a saúde pública e para o meio ambiente são incalculáveis. Enquanto isso, as alternativas sustentáveis existem e devem ser implementadas com urgência, tanto pelo setor privado quanto por governos. O que está em jogo não é apenas o futuro dos nossos oceanos, mas também a saúde e o bem-estar das gerações presentes e futuras. Como nos lembra Marcelo Gleiser, “o progresso, sem consciência, pode ser a maior fonte de nossa destruição.”

É hora de agir antes que o preço se torne irreversível.

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