Em uma economia como a brasileira, marcada por desigualdades históricas e uma permanente tensão entre crescimento econômico e justiça social, cada nova proposta carrega expectativas e riscos. A recente criação das Drex — moeda digital do Banco Central — insere-se nesse contexto como mais uma tentativa de modernizar o sistema financeiro e, supostamente, ampliar o acesso da população a serviços bancários. No entanto, à medida que analisamos a adoção das Drex e seus potenciais impactos, percebemos que ela também simboliza algo maior: o avanço de uma cultura econômica baseada no imediatismo, na dependência de empréstimos e no culto a “gurus financeiros”, enquanto economistas comprometidos com a análise estrutural são deixados à margem.
A Drex foi apresentada como uma moeda digital que facilitaria as transações financeiras e promoveria a inclusão. Contudo, o cenário real é mais complexo. Embora traga inovações para o mercado digital e fortaleça a infraestrutura financeira nacional, sua implementação ocorre em um momento delicado para a classe média e baixa. Com um índice de endividamento doméstico alarmante — cerca de 78% das famílias estavam endividadas em 2024, segundo a CNC —, a Drex pode acabar sendo mais uma ferramenta que impulsiona a dependência de crédito, em vez de oferecer alívio econômico real.
Mais uma vez, políticas públicas são desenhadas de cima para baixo, com foco no mercado, mas ignorando as realidades socioeconômicas de uma população que mal consegue arcar com o básico. Economistas como Luiz Carlos Bresser-Pereira e Maria da Conceição Tavares já alertaram sobre o perigo de priorizar soluções técnicas desvinculadas de um contexto social amplo. A promessa de “inclusão financeira” é insuficiente quando não acompanhada de medidas para reduzir o custo de vida, regular o mercado de crédito e promover uma tributação mais justa.
A crise da classe média brasileira, agravada nos últimos anos, é um reflexo de uma estrutura econômica que privilegia o capital financeiro em detrimento das condições de vida da população. No terceiro governo Lula, as tarifas superfaturadas de serviços públicos tornaram-se uma marca frustrante, impactando diretamente as famílias que já enfrentam uma escalada de custos em áreas como saúde, transporte e alimentação. Essa política contraria o discurso de justiça social e redistribuição que marcou as campanhas do atual governo.
Enquanto isso, nas redes sociais e nos círculos empresariais, cresce a figura do “guru financeiro”, que oferece fórmulas rápidas para enriquecer, muitas vezes ignorando ou até desprezando análises econômicas mais profundas. Esse fenômeno alimenta uma “cultura Balneário Camboriú”, caracterizada por ostentação, consumo desenfreado e um desapego às questões estruturais que realmente poderiam transformar a economia nacional.
Nas esferas locais, a perpetuação da “velha política” agrava o cenário. O desvio de verbas públicas e a falta de fiscalização efetiva comprometem a implementação de reformas essenciais. A CPI das bets, por exemplo, trouxe à tona um mercado de apostas que movimenta bilhões de reais sem qualquer regulação significativa. O dinheiro que poderia ser usado para investir em serviços públicos ou combater desigualdades acaba perdido em um sistema político que prioriza interesses privados.
A frase de Maria da Conceição Tavares — “Não se come PIB” — permanece como um grito ignorado. O foco exclusivo no crescimento econômico bruto falha em reconhecer que os frutos desse crescimento raramente chegam à mesa da população mais pobre. O governo insiste em ajustes fiscais e em políticas que favorecem investidores estrangeiros, mas deixa de lado discussões cruciais sobre redistribuição de renda e fortalecimento de políticas públicas.
Essa mentalidade de curto prazo se reflete na falta de uma reforma tributária robusta, que poderia corrigir distorções históricas. O Brasil segue tributando mais o consumo do que a renda, penalizando os mais pobres enquanto alivia as classes mais altas. Sem uma visão de longo prazo e um compromisso real com uma economia social, continuaremos presos em um ciclo vicioso de endividamento, desigualdade e insatisfação.
A solução para esses problemas exige mais do que vontade política. É necessário um trabalho de base que torne o conhecimento econômico acessível a todos. Hoje, a economia é vista como um campo técnico e inatingível, restrito a especialistas e acadêmicos. Essa percepção precisa mudar. Conceitos como economia social, pós-keynesianismo e críticas marxistas devem ser traduzidos em linguagem popular e incorporados aos debates públicos.
A coletividade e a educação econômica são ferramentas indispensáveis para reverter as falhas estruturais do nosso sistema. Como bem apontaram os grandes pensadores da economia brasileira, a verdadeira transformação só virá quando abandonarmos a lógica do imediatismo e enfrentarmos, de forma séria e coletiva, os problemas históricos que perpetuam nossa desigualdade.
Enquanto isso não ocorrer, o Brasil continuará celebrando “soluções mágicas” e “gurus visionários”, enquanto negligencia os fundamentos de uma economia que funcione para todos. O desafio está em reconhecer que os erros do passado ainda ditam as escolhas do presente — e que só através do conhecimento, da coletividade e de uma economia verdadeiramente social será possível romper esse ciclo.