Água na Vila de Jericoacoara tem substância nociva até 11 vezes acima do recomendado, alerta pesquisa do IFCE

Componente apresenta riscos à saúde humana em altas concentrações
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O nitrato é uma substância que faz parte do ciclo de nitrogênio no corpo humano, mas, em altas concentrações, pode causar uma intoxicação capaz de ser fatal. Na Vila de Jericoacoara, um dos destinos turísticos mais famosos do Ceará, uma pesquisa identificou presença de nitrato na água potável até 11 vezes superior ao recomendado pelas autoridades sanitárias. A Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) rebate e diz que realiza “rigoroso monitoramento de qualidade” na área.

A alteração foi apontada no estudo “Poluição de águas subterrâneas por nitrato: Avaliação de um risco invisível em um paraíso costeiro do nordeste brasileiro”, elaborado por pesquisadores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) – campus Camocim e publicado nesta semana, na Journal of South American Earth Sciences, revista científica internacional da área de geociências.

O grupo avaliou, durante 13 meses, entre 2022 e 2023, as concentrações de nitrato em águas obtidas em poços particulares e água de abastecimento público (inclusive retirada de torneiras) e as correlacionou com dados do período chuvoso e de fluxo subterrâneo de água na região.

Conforme as análises, a poluição das águas subterrâneas ocorre por nitratos formados a partir de compostos nitrogenados originários de efluentes da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) local, operada pela Cagece. Os efluentes da ETE são dispostos na areia e penetram no solo até atingir o lençol freático.

“Durante todo o ano, as águas da região apresentam concentrações de nitrato superiores aos limites permitidos para consumo humano, tornando a água imprópria para beber”, explica Edmo Montes Rodrigues, professor do IFCE e coordenador da pesquisa.

O biólogo lembra que toda a água obtida de forma privada ou por meio de abastecimento público na Vila de Jericoacoara tem origem no lençol freático, justamente de onde o trabalho demonstrou haver valores 11 vezes acima do limite.

O Ministério da Saúde determina que a quantidade de nitrato presente na água potável distribuída à população não pode ultrapassar 10 mg/l (miligramas por litro). O excesso é considerado perigoso à saúde e fator de risco para desenvolvimento de câncer.
“Os sistemas de tratamento convencionais de água não removem esse composto químico, acarretando um risco para a população que consome a água com altas concentrações do composto”, avalia Rodrigues.

Prejuízos à saúde
O estudo destaca a importância de melhorias no tratamento de esgoto e na gestão de águas, focando na prevenção de doenças relacionadas ao nitrato.

O ingresso de altas concentrações de nitrato no corpo humano, segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), pode oxidar a hemoglobina para metemoglobina, causando:

diminuição do transporte de oxigênio para os tecidos
diminuição da pressão arterial
aumento do batimento cardíaco
dor de cabeça
cólica abdominal
vômito
eventual morte
“Em bebês, os baixos níveis de oxigênio no sangue podem conferir uma coloração azulada na pele, principalmente dos pés, mãos, rosto e lábios, além dos efeitos já descritos”, informa a Companhia. Além disso, já foi comprovado que a substância apresenta potencial cancerígeno.

Estação aquém da capacidade
Para os pesquisadores do IFCE, a estação de tratamento da Cagece está subdimensionada, ou seja, opera abaixo da capacidade que a Vila exige. O equipamento foi instalado em 2009, há mais de 15 anos – tempo em que o lugarejo cresceu e ganhou mais moradores, comércios e hospedagens.

Em 2019, dez anos depois, os pesquisadores foram procurados pela gestão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que administra o Parque Nacional de Jericoacoara porque, à época, foram notados vazamentos de efluentes em direção ao Parque.

“Na época chuvosa, o solo arenoso fica muito saturado de água e o efluente tem dificuldade de adentrar”, diferencia Edmo. “O nível do lençol freático fica muito superficial e a água não infiltra, então os efluentes transpassam a área da Estação e chegam à área do Parque”.

Os estudiosos decidiram investigar em que nível o nitrato – formado pela oxidação da amônia, presente na urina humana e no esgoto doméstico – poderia contaminar a água distribuída à população, inclusive saindo pelas torneiras. Com análises laboratoriais e do fluxo hidráulico, chegou-se à conclusão.

Edmo Rodrigues explica que o nitrato não é um composto fácil de ser removido da água. Fervê-la, por exemplo, não adianta, por isso a preocupação com o uso dela para o preparo de alimentos.

“Nitrato precisa de um sistema específico, e ele é bastante caro. São poucos os lugares que fazem porque eleva o valor da conta, teria que ser repassado ao consumidor. Nesse caso de Jeri, seria necessário um redimensionamento e um sistema que removesse o nitrato para a distribuição da água aos moradores”, afirma.

O que diz a Cagece?
A Cagece declarou, em nota, que o tratamento e a distribuição de água à população de Jericoacoara são realizados “sob rigoroso monitoramento de qualidade”, realizado “rotineiramente”, e segue as recomendações do Ministério da Saúde.

“Ao se detectar a mínima variação, em qualquer uma das etapas de captação, tratamento ou distribuição, são tomadas providências imediatas, como ajuste de tratamento, diluição e limpezas de poços”, assegura.

A Companhia destacou ainda que está investindo cerca de R$51 milhões em “obras estruturantes” para a otimização das redes de água e de esgoto em Jericoacoara. O projeto inclui a construção de uma Estação de Tratamento de Água (ETA) com tecnologia de osmose reversa, “considerada uma das melhores no processo de purificação da água”.


93,8% de Jijoca de Jericoacoara tem cobertura de esgoto, segundo a Cagece.
“O município será beneficiado com a requalificação do sistema de esgotamento sanitário. As ações incluem a duplicação da capacidade de tratamento de esgoto com a construção de nova estação elevatória, além da instalação de emissário submarino para devolução dos efluentes ao meio ambiente”, finalizou a empresa.

Fonte- G1

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