Todos os municípios do litoral cearense têm algum trecho impactado negativamente pelo avanço do mar. Embora a erosão seja um fenômeno natural, recebe influência direta das mudanças climáticas e de atividades humanas na infraestrutura costeira. O processo atinge as localidades de diferentes formas e, em algumas praias, já corroeu mais de 80 metros da linha de costa, o equivalente a um prédio de 25 andares.
As informações são do Plano de Ações de Contingência para Processos de Erosão Costeira do Ceará (PCEC), produto da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema) e documento-base para o gerenciamento de riscos e impactos costeiros no Estado.
Os pesquisadores avaliaram mais de 500 pontos do litoral a partir de imagens de satélite, entre os anos de 2016 e 2024, e constataram quase metade da costa comprometida pela erosão. O processo implica na perda de sedimentos, como areia, rochas e minerais, e torna o ambiente mais vulnerável a ondas, ventos e marés.
O indicador utilizado no estudo foi a taxa de regressão linear (LRR), que aponta uma variação em metros por ano da linha de costa. Esse traçado separa a terra do mar e representa a fronteira entre os dois elementos. Para a classificação, foram consideradas quatro categorias:
Erosão crítica: perdas acima de -1 m/ano
Erosão: perdas entre -0,5 e -1 m/ano
Estabilidade: taxas entre -0,5 e 0,5 m/ano
Progradação: ganhos acima de 0,5 m/ano
O método permite visualizar ciclos e tendências erosivas ou de crescimento de praias, através de uma taxa de variação anual positiva ou negativa, e pode servir como parâmetro para a projeção de cenários.
Davis de Paula, doutor em Ciências do Mar, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e membro da equipe técnica do estudo, explica que, quando se fala em recuo da linha de costa, é preciso entender que o indicador é “móvel e dinâmico” e deve ser avaliado a longo prazo.
“Nossas praias diariamente sofrem alterações. No Ceará, duas vezes ao dia, você tem maré cheia, e a linha de costa pode ser alterada. Ela pode ir mais para o continente ou regressar em direção ao mar. É uma variação normal”, ressalta.
O conflito ocorre quando o mar avança e a linha de costa recua em direção às áreas urbanas. Em parte da costa cearense, percebe ele, há dois processos simultâneos: o desejo de desenvolvimento econômico potencializa a ocupação cada vez mais próxima da linha de costa e, do outro, ela recua e entra em atrito.
“Somada aos elementos naturais, você tem a falta de planejamento de ocupação da costa, fazendo com que sistemas de proteção natural sejam destruídos, como as dunas frontais. Elas deveriam exercer o papel de estrutura verde de proteção, mas, na maior parte do tempo, são destruídas para a construção de residências e equipamentos turísticos”, analisa.
Veja as praias mais impactadas em cada cidade:
Icapuí
Picos: -33 metros (-4,8m/ano)
Peroba: -15 metros (-1,8m/ano)
Aracati
Canoa Quebrada: -22,5 metros (-1,74m/ano)
Fortim
Praia de Canoé/Canto da Barra: -51 metros e -67 metros (-5,5m e -6,9m/ano)
Beberibe
Prainha do Canto Verde: -37 metros (-3,48m/ano)
Cascavel
Praia do Balbino: -33 metros (-4m/ano)
Aquiraz
Praias do Barro Preto e do Presídio: -15 metros (-2m/ano)
Fortaleza
Trechos de até -12 metros em áreas do Pirambu, Poço da Draga e Titanzinho, mas com “relativa estabilidade”
Caucaia
Praias do Icaraí e Tabuba: -50 metros (-5m/ano)
Cumbuco: -20 metros (-3m/ano)
Barra do Cauípe ao Porto do Pecém: -8 metros a -51 metros (-1,3m a -5,4m/ano)
São Gonçalo do Amarante
Praia da Taíba: -20 metros a -40 metros (até -4m/ano)
Paracuru
Praias da Bica e do Farol: -18 metros a -36 metros (-1,8m a -2,9m/ano)
Paraipaba
Praia da Lagoinha: -20 metros e -40 metros (-1,4m a -4,2m/ano)
Trairi
Praia do Guajiru: -30 metros e -40 metros (-1m a -3m/ano)
Desembocadura do Mundaú: -37,9 metros (-2m/ano)
Itapipoca
Praia da Baleia: -29,5 metros e -57,7 metros (até -3,3m/ano)
Amontada
Caetanos: -45 metros (-3,4m/ano)
Moitas: -28 metros e -55 metros (-0,9m e -3,1m/ano)
Itarema
Praias de Patos, Torrões, Almofala e Guajiru: -9 metros a -31 metros
Acaraú
Volta do Rio: -81 metros
Entorno da Praia do Espraiado: -4 metros a -70 metros
Praia do Espraiado: -33 metros (-4,7m/ano)
Arpoeiras: -9 metros e -18 metros (-1,5m e -2,8m/ano)
Cruz
Praia do Preá: não foram identificados processos erosivos, mas é ponto de atenção pela proximidade das construções com a linha de costa
Jijoca de Jericoacoara
Praia da Vila de Jericoacoara: -48 metros (-10m/ano)
Camocim
Praia de Tatajuba: -23 metros e -39 metros (-1,7m e -3,5m/ano)
Barroquinha
Praia de Curimãs: -0,6m/ano
Embora os números chamem atenção, Davis lembra que eles estão dentro de um ciclo de erosão costeira natural para o reposicionamento das praias, que pode durar anos. “Tudo vai depender de um conjunto de ações que repercutem na quebra desse ciclo erosivo”, afirma.
O professor lembra que há diversos núcleos de atenção no Ceará onde já se precisa partir para alguma obra de proteção costeira mais rígida, “porque você já tem o contato do mar com as estruturas urbanas”.
Cenários mais graves
Mesmo que todo o litoral cearense sofra com a erosão costeira, o estudo apontou 16 praias mais suscetíveis ao problema, tanto na costa leste como na oeste. Parte delas tem áreas urbanizadas (densas, pouco densas ou loteamentos vazios) em uma distância de até 500 metros da linha de costa.
De forma geral, os pesquisadores apontam que a proximidade de residências e rede hoteleira com o mar representa um risco potencial, tornando as estruturas mais vulneráveis a qualquer variação erosiva que possa ocorrer no futuro.
Um dos processos mais graves afeta o litoral de Icapuí, na divisa do Ceará com o Rio Grande do Norte. Por lá, o cenário é “alarmantemente evidente” e de “extrema urgência”, pois há uma “frente marinha totalmente edificada por residências de veraneio, casas de moradores e pousadas”.
Na Prainha do Canto Verde, em Beberibe, o avanço do mar já destruiu residências e barracas de praia. Uma estrutura rígida protege um pequeno trecho da rodovia mas, durante as ressacas do mar, as ondas conseguem atingir a base da estrada.
Em Caucaia, os espigões construídos no Icaraí para conter o processo histórico de erosão estão alterando a dinâmica costeira local. “O aprisionamento de sedimentos causado pelos espigões está impedindo parcialmente o transporte de sedimentos para a praia da Tabuba, o que pode agravar o problema de erosão nessa área”, indica o Plano.
Acaraú também tem 38 dos 47 pontos mapeados pelo estudo em erosão crítica. A população já chegou a por estacas de madeira, rochas e aterros para conter o avanço do mar. Na Praia da Volta do Rio, que teve o maior recuo do Estado, um parque eólico colocou enrocamentos (conjunto de blocos de pedra) para proteger os aerogeradores.
Também no oeste, a praia da Baleia é outro importante núcleo de erosão. O nível máximo das ondas já alcança equipamentos urbanos da frente marinha, criando risco para os moradores locais. “A ação das ondas tem contribuído para a desestabilização física das edificações, aumentando a vulnerabilidade dessas estruturas”, alertam os pesquisadores.
O que deve ser feito?
Os dados do PCEC devem embasar decisões do poder público para conter o problema. Contudo, cada local tem complexidade própria e depende de análises técnicas para ter definido o melhor modelo de proteção. Entre as opções, estão espigões, paredes e recuperação de dunas.
O documento também descreve um fluxograma de acionamento que descreve quais são as competências e quem faz o quê durante uma emergência.
“As cidades precisam se adaptar e construir planos para, quando o desastre acontecer, você poder minimamente desenvolver ações organizadas e ordenadas”, comenta Davis de Paula.
Fonte- Diário do Nordeste