Moro, o dissimulado, finge que não quer ser candidato a presidente da República, mas fez discurso de candidatíssimo durante sua filiação partidária ao Podemos. O ex-juiz, que jurara jamais entrar na política e posava de esfinge na magistratura, usa o legado da Lava Jato para se promover.
O magistrado foi realmente um ponto fora da curva, enchendo os brasileiros de esperança e os togados do STF de inveja. Pela primeira vez, vimos poderosos, seja do mundo político, seja do empresarial, condenados por seus crimes e pagarem pena na cadeia. Lugar até então exclusivo para pretos, pobres e prostitutas. Em toda sua história, o STF jamais alcançou os políticos de foro privilegiado.
Moveu mundos e fundos até conseguir levar Lula para uma cela da Polícia Federal e o manteve preso até mesmo quando um desembargador petista, Rogério Favreto, do TRF4, autorizou a soltura do ex-presidente. Tudo ia bem, até resolver trocar a magistratura pelo mundo político, aceitando o ministério da Justiça no recém iniciado governo Bolsonaro.
Acostumado ao poder absoluto e com a promessa de carta branca no ministério, Moro inaugura sua nova fase na vida pública. Mas logo lhe sobrevém o inferno astral quando o site Intercept publica a troca de mensagens pouco convencionais hackedas do aplicativo Telegran. No episódio conhecido como Vaza Jato, o ex-juiz e os procuradores da Lava Jato foram expostos combinando estratégias para pegar bandidos.
Mesmo levando em conta a nobreza dos fins, não se justificavam os meios de atingir os corruptos com ações fora da lei. Mesmo com os erros expostos, os acertos eram maiores, e não se comprometeu a integridade da mais atuante força tarefa de combate à corrupção, mal endêmico que se alastrara de forma deletéria nas administrações petistas.
Quando viu cabisbaixo seu mais lustroso ministro, Jair Bolsonaro pegou Moro pelo braço e o levou a uma partida de futebol para demonstrar a você e à torcida do Flamengo que o ministro da Justiça continuava prestigiado no Planalto. Mas a solidariedade parece não ter sido reconhecida e, muito menos, retribuída.
Incomodado com a falta de interlocução com um dos superintendentes, Bolsonaro enfrentou resistência para trocá-lo. O ex-juiz, acostumado a ver todas as suas ordens e vontades obedecidas sem contestação, não digeriu bem a pressão e deu o troco na primeira oportunidade. Quando sentiu fraqueza no governo, em plena pandemia, quando foi piscado pela mosca azul, desferiu o golpe.
Saiu do governo atirando, acusando o chefe do executivo de tentar interferir na Polícia Federal, o que resultou num inquérito, até hoje, mais de dois anos depois, sem nenhuma prova do delito. Moro não pensou no governo, não pensou na situação do país, mas unicamente no seu projeto de poder. Mal aconselhado e com ego inflado, imaginou que sua saída provocaria a derrocada do governo. E ele pavimentaria sua estrada rumo ao Palácio do Planalto.
Mas havia uma emboscada logo ali, na primeira curva. Os velhinhos do STF aguardavam na esquina a oportunidade para encurralá-lo. O sistema cresceu para cima dele, primeiramente, quando Fachin, numa inusitada decisão em embargo de declaração, tirou de Curitiba a competência para julgar os processos de Lula. A pá de cal foi dada por Gilmar Mendes, numa articulação que provocou mudança de voto de Carmen Lúcia. Moro é considerado parcial, e Lula é descondenado.
O mais estranho foi a inércia do até então altivo ex-juiz. Fez um protesto pífio e protocolar e ainda defendeu Fachim. Segundo ele, o ministro que lhe julgou incompetente agira de forma técnica e não merecia ser perseguido.
No discurso de lançamento da candidatura, nesta terça, Moro se esqueceu dessas mazelas para centrar fogo em Lula e Bolsonaro, os dois mais avançados concorrentes na corrida presidencial. Disse que estava na hora de parar de atacar jornalista, numa referência indireta às refregas do presidente com os profissionais da velha imprensa. Mas não deu um pio de mocho sobre as prisões arbitrárias de jornalistas executadas a mando do STF.
Sob o manto do repisado discurso do combate à corrupção, não se pronunciou sobre o cavalo de pau jurídico promovido pelo STF para tornar Lula, o ex-presidiário e ex-condenado, livre para disputar as eleições. Ao seu lado, porém, durante seu ingresso no Podemos, havia vários personagens envolvidos em corrupção.
Também no palco uma récua de animais da espécie dos traidores, seres anônimos que assumiram o estrelato político sob os auspícios de Bolsonaro, hoje o defenestram em cada oportunidade. Ele mesmo com a pecha de traíra, Moro pode nem entender que até se perdoa a traição, mas não os traidores.
No aspecto meramente eleitoral, Moro vai arrebanhar votos nas hostes da direita arrependida, mas será atacado pelos mais empedernido dos bolsonaristas e pelos lulistas de qualquer linhagem. Ao mesmo tempo, dá um chega para lá nos ciristas, que vê seu ídolo relegado ao quarto lugar. Se não se consubstancia na terceira via, Ciro já se acostumara com o terceiro lugar. Agora, vai pro quarto, chorar dores de outo amor.
Resta aos desafetos do ex-juiz dizer que o pato rouco emite o canto do cisne. Mas tanto pode estar dando início ao último módulo da nave que pode levá-lo ao topo como estar apenas a sacudir as asas no vasto lago de incertezas.