O governo federal pretende retomar nas próximas semanas as negociações com o Congresso Nacional para reintroduzir na pauta a discussão sobre a regulação das plataformas digitais. A iniciativa foi confirmada pelo secretário de Políticas Digitais da Presidência da República, João Brant, durante palestra na Fundação Oswaldo Cruz. A proposta, segundo ele, busca equilibrar a responsabilidade civil das empresas, o dever de prevenção à disseminação de conteúdos ilegais e a mitigação dos riscos sistêmicos provocados pelas plataformas.
O principal texto em debate é o Projeto de Lei 2.630 de 2020, conhecido como PL das Fake News. Apesar de já aprovado pelo Senado, o projeto está paralisado na Câmara dos Deputados por falta de consenso. Atualmente, a atuação das plataformas é regida pelo Marco Civil da Internet, que limita a responsabilização das empresas a casos em que ignoram ordens judiciais de remoção de conteúdo.
A pressão por mudanças na legislação cresceu com os recentes casos de crimes cometidos nas redes sociais, especialmente envolvendo crianças e adolescentes. As denúncias de violências, associadas à proliferação de golpes e fraudes online, alimentam a percepção de que o ambiente digital opera à margem da legalidade. Para Brant, esses casos ampliam o apoio social à regulação e expõem os danos de um sistema em que grandes empresas digitais não assumem responsabilidades proporcionais à sua influência.
O coordenador do Centro de Referência para o Ensino do Combate à Desinformação da Universidade Federal Fluminense, Afonso Albuquerque, compartilha da visão de que a regulação é essencial, mas acredita que a conjuntura política brasileira ainda não é favorável ao avanço da proposta no Congresso. Segundo ele, pressões internacionais, especialmente as mudanças no cenário político dos Estados Unidos e o impacto das ações do ex-presidente Donald Trump, podem criar condições inesperadas para esse debate.
Albuquerque também defende que a regulação deve ir além do Brasil, com mecanismos transnacionais de governança digital e regras compartilhadas entre países. Ele aponta o comportamento de figuras como Elon Musk e Mark Zuckerberg, que, segundo ele, tentam influenciar diretamente na política nacional, como um agravante que evidencia a urgência da pauta da soberania digital.
O embate recente entre Musk e o Supremo Tribunal Federal é citado por Brant como um marco importante. O episódio em que o empresário recuou e aceitou cumprir determinações judiciais brasileiras demonstraria, segundo o secretário, que os Estados nacionais podem e devem impor limites às big techs.
A expectativa do governo é que a combinação de pressão social, precedentes jurídicos e necessidade de proteção dos cidadãos, sobretudo dos mais vulneráveis, reforce o papel do Estado na construção de uma internet mais segura e transparente.